terça-feira, 15 de outubro de 2019

Ei, o que você acha do encontro de lunáticos que foi pago com o seu, o meu, o nosso dinheiro?

Neste último fim de semana aconteceu a primeira edição brasileira da tradicional conferência conservadora dos Estados Unidos, a Conservative Political Action Conference (CPAC), reunindo fanáticos da direita mais retrógrada e lunáticos com os mais variados graus de insanidade e repulsa à democracia. Quatro ministros bolsonaristas foram palestrantes.

O evento para mais de 1.500 pessoas teve como protagonista Eduardo Bolsonaro, filho 03 do presidente, candidato a embaixador do Brasil nos Estados Unidos e nas horas vagas deputado federal pelo PSL. Tudo foi bancado com dinheiro público oriundo do fundo partidário - pela legenda que ele, o irmão Flávio e o próprio pai Jair Bolsonaro pretendem abandonar.

Vem cá, com sinceridade, o que você acha disso? Dinheiro meu, seu, nosso, deveria ser gasto para bancar uma conferência política dessas, seja de direita ou de esquerda? Quem tanto criticava os métodos do PT e dos partidos-satélites dos governos Lula e Dilma, pode agora reproduzir impunemente as mesmas práticas condenáveis com Bolsonaro

Os custos do evento, estimados pela própria organização entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão, foram bancados exclusivamente com dinheiro dos cofres públicos pelo Instituto de Inovação e Governança (Indigo), a fundação partidária do PSL, presidida por Sérgio Bivar, filho do atual presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, e que segundo Bolsonaro está "meio queimado" devido a escândalos partidários.

Mas, enfim, nenhum bolsonarista (raiz ou nutella) vai se indignar com isso? "Ah! Mas o PT também fazia e vocês não falavam nada...".

Pera lá! Criticamos cada ato impróprio dos petistas, a participação no Foro de São Paulo, o fisiologismo, a corrupção, os ataques à imprensa, as reuniões de blogueiros aliados patrocinados com verba pública - tudo aquilo que o bolsonarismo repete agora na mão inversa, espelhando à direita os erros da esquerda.

E você, vai passar pano para disfarçar a sujeira? "Isentão!"

Como foi o encontro dos conservadores?

O repórter Guilherme Caetano, do jornal O Globo e da Revista Época, assistiu ao evento e faz um relato precioso de tudo o que aconteceu em tópicos, que reproduzimos a seguir. Vale a leitura, item por item:

Estive nesta sexta e sábado na conferência conservadora CPAC Brasil. Teve comparação da esquerda ao nazismo, palestras de revisionismo histórico e um público muito orgulhoso de ter se descoberto conservador. Conto mais curiosidades abaixo.

Vou começar pelo geralzão. O CPAC é um megaevento feito desde 1973 nos EUA. Lá, esse evento tem muita presença da indústria armamentista. Como esse mercado quase inexiste no Brasil, eu diria que esse espaço foi ocupado pelo culto à monarquia. (o "príncipe" Dom Bertrand palestrou).

A programação teve muitos ministros (quatro deles), deputados do PSL e celebridades da direita (Bene Barbosa, Bernardo Küster, Rafael Nogueira). Os blogueiros pró-governo tinham quase livre acesso a tudo. Em crise com Bolsonaro, o presidente do PSL Bivar cancelou presença.

Eduardo Bolsonaro fez uma breve coletiva de imprensa, dando bastante espaço para os blogueiros pró-governo. O repórter da Agência Estado foi hostilizado ("retardado!") e não conseguiu terminar a pergunta. A Patricia Campos Mello (da Folha) também foi xingada aos berros.

Os ataques à imprensa não foram só detalhe para um jornalista que estava lá, como eu. Teve vaias e xingamentos do público a toda menção à imprensa profissional e vários jornalistas foram ridicularizados durante as palestras, com destaque para Guga Chacra e Reinaldo Azevedo.

O ministro Ernesto Araújo fez críticas à ONU (disse que a ONU não faz nada pela crise humanitária na Venezuela, enquanto recebe a "bem alimentada" Greta Thunberg) e criticou até Voltaire (falou que o francês "quis lacrar" ao desrespeitar a monarquia).

Com a voz embargada, Araújo disse "eu nem sabia que um dia estaria aqui falando com os senhores. Eu nem sabia que era conservador" e foi aplaudido imediatamente. "Totalitarismo é o contrário de conservadorismo. Todos os totalitarismos, portanto, são de esquerda", filosofou.

Ele também soltou essa: "Falando nessa menina Greta, recebi uma foto de uma menina venezuelana que tem 14 anos e pesa 14 quilos. Já a Greta é bem alimentada, bem nutrida e bem recebida pela ONU, a mesma ONU que não faz nada por essa menina. Eu é que pergunto: how dare you?"

O ministro Onix Lorenzoni chorou duas vezes. Disse: “Temos de tentar nos unir superando divergências. Pelo amor de Deus, temos a chance de nossas vidas. Para nunca mais permitir que essa gente [a esquerda] volte e faça o que eles fizeram”.

Elevado a autoridade ambiental, o herdeiro da família real brasileira Dom Bertrand partiu para cima do Sínodo para a Amazônia. Rechaçou o aumento do desmatamento e denunciou os "maus católicos que estão querendo desviar nossa Santa Igreja Católica".

O Sínodo, para ele, "é um pretexto para levar a agenda vermelha para dentro da Igreja". Disse que o cardeal Claudio Hummes, relator-geral do Sínodo, é a ameaça e quer desvirtuar a Igreja Católica, de uma "esquerda católica, que de católica não tem nada e de esquerda tem muito".

Dom Betrand afirmou que "não há crise na Amazônia, mas uma ofensiva contra a nossa soberania" e que "nunca houve genocídio indígena no Brasil". De quebra, disse que não existe caça e pesca predatórias na Amazônia e que a floresta está "97% intacta".

Mas nada se comparou à ministra Damares Alves. Com uma oratória habilidosa, ela levou o público ao êxtase. Ela disse frases bem fortes, algumas das quais eu não consegui colocar na reportagem (vou falar abaixo). Ela foi a mais aplaudida e todo o evento.

Frase dela: "Estou há quase 24 horas com este público, a maioria jovem, e ninguém me ofereceu um cigarro de maconha e nenhuma menina enfiou um crucifixo na vagina". Entre aplausos frequentes, ela comparou a esquerda ao diabo e insuflou a direita a se organizar contra o mal.

Mais Damares: "Para a tristeza da esquerda nunca se defendeu tanto direitos humanos como hoje no Brasil. O presidente machista só neste ano já sancionou seis leis de proteção à mulher. Chora, esquerda! Aceita que dói menos."

Falando sobre o que disse ser um domínio da esquerda sobre a vontade dos povos indígenas, ela arrancou gritos de "Fora, Raoni": "Tupã ouviu o choro dos curumins e disse: chega! E então elegemos Jair Bolsonaro. A eleição dele interrompeu um ciclo de sofrimento e dor neste país"

O último a palestrar foi o ministro Abraham Weintraub. Ele relacionou a Marilena Chauí, filósofa de esquerda, ao nazismo e comparou FHC à Aids. Aliás, não faltaram alusões à Alemanha de Adolf Hitler na palestra.

Weintraub comparou os que não combatem discursos de esquerda como os de Chauí aos "isentões como Arthur Chamberlain". Ele se referia ao político britânico conhecido por sua política externa de apaziguamento, que teria facilitado a anexação da Checoslováquia por Adolf Hitler.

Por fim, Weintraub disse que, assim como a Aids ataca o sistema imunológico, FHC abriu caminho para a eleição de Lula. "Então você tem a doença oportunista e você tem a Aids. Quem enfraqueceu nosso organismo foi justamente Fernando Henrique".

Fora as palestras, que tiveram a participação de vários conferencistas americanos ligados ao movimento conservador de lá, não houve grandes atrações. Alguns estandes de camisetas e livros e só. No fim da noite, Eduardo Bolsonaro confirmou a 2ª edição do CPAC Brasil em 2020.