terça-feira, 29 de agosto de 2023

O fim melancólico do ex-PCB/PPS


Roberto Freire, quem diria, trocou o GPS de altíssima precisão da boa política, ou a velha bússola infalível que guiava corretamente um partido pequeno mas relevante nas últimas três décadas, por uma biruta de aeroporto. E segue abilolado e perdido na ventania.

O presidente vitalício e todo poderoso da legenda - primeiro na transição do histórico PCB para PPS e depois para o oportunista e decadente Cidadania (que agoniza num abraço de afogados traduzido por essa atual federação natimorta com os restos do PSDB) - envelheceu mal, assim como seu legado político e o modus operandi partidário e ideológico.

O “rei está nu” e só ele não percebe, parodiando a fábula infantil neste fim melancólico que se repete ora como tragédia, ora como farsa. O velho PCB se tornou um partido meramente cartorial e eleitoreiro. A briga em evidência se resume a quem irá se apoderar das chaves do cofre que recebe e reparte os milionários fundos públicos até que o último velho dirigente vá embora e apague as luzes.

Os atuais mandatários formam um bando de saqueadores eleitos na onda do bolsonarismo e do antipetismo. Políticos que praticam pirataria eleitoral, interceptaram e invadiram criminosamente a legenda 23, tornando refém seu combalido timoneiro (que hoje sofre da Síndrome de Estocolmo e criou empatia pelos bandidos).

O legado do velho Partidão está sendo pisoteado e jogado no lixo. Quem construiu essa História centenária não merecia este enxovalhamento. A dor e a tristeza dos que assistem a essa liquidação deplorável só não são maiores que a vergonha alheia e a decepção daqueles que tentaram reagir enquanto ainda havia tempo. E não foi por falta de aviso…

Mas, para concluir, compartilho abaixo esse texto frágil, inconsistente, incoerente, insustentável de Roberto Freire na convocação desesperada de um congresso extraordinário que mais parece uma chantagem com os velhos companheiros. Nada mais apropriado nesta época de tanto negacionismo, obscurantismo e fake news. Triste fim.


Roberto Freire: Sobre a crise no Cidadania

Aos filiados e filiadas, dirigentes e militantes do Cidadania,

A crise que atravessamos é séria. É a mais séria desde que estou no partido e poderá levá-lo à extinção. Chegamos a um impasse insanável sem a realização de um Congresso Nacional Extraordinário, que discuta os rumos do Cidadania e reestruture o partido a partir das nossas bases.

Mudar de cima pra baixo, expurgando da Executiva aqueles que hoje estão em minoria, criará tão somente uma unidade artificial, que significará, na prática, insistir na divisão que está na origem da malfadada reunião do dia 19 de agosto. Há diferenças irreconciliáveis entre a maioria eventual e a bancada.

São diferenças presentes também nos estados e nos municípios, não apenas na direção nacional. Sempre tive a honra de ser eleito presidente do partido sem contendor. Meu ciclo já estava encerrado em 2022. Mas fui candidato novamente em nome da unidade. Uma frágil unidade que já não mais existe.

É justamente a impossibilidade de nova reeleição prevista no estatuto que deflagrou essa guerra fratricida. A única saída para o atual impasse, mantendo vivas as nossas bandeiras e a nossa capacidade de influenciar o debate público, é chamar o conjunto partidário a discutir e votar.

Não tenho apego ao cargo. Nunca tive. E dele abro mão em nome da sobrevivência do Cidadania. Apelo para que façam o mesmo os atuais dirigentes, especialmente os velhos comunistas, que, como eu, comandam o partido há décadas e formam a maioria circunstancial de 12 ou 13 integrantes da Executiva.

O Congresso Extraordinário dará a eles o que desejam fazer pela força: abreviar o meu mandato como presidente, mas de forma democrática e apontando para o futuro, abrindo espaço para uma completa renovação, se assim desejar a nossa militância.

E, por outro lado, se seremos base do governo Lula, o que implicará no fim da federação com o PSDB, ou se seguiremos construindo uma alternativa para o país. Porque o apoio da nossa bancada - no que respeita o nosso programa - o atual presidente já tem. E sem contrapartidas em cargos e verbas.

Todas as matérias que eram do interesse do governo Lula e estavam alinhadas ao programa partidário foram aprovadas por nós. Como dizer que o objetivo é levar o partido para a oposição ou para a direita? Lula é de direita por estar alinhado ao centrão e a Arthur Lira, que eram base de apoio a Bolsonaro?

E ainda que o objetivo fosse levar o Cidadania para a oposição. O governo não merece uma posição responsável, que colabora no que for interesse nacional e se oponha ao que não foi o melhor para o país?

Uma oposição que aperfeiçoe as propostas do governo no Congresso? Que construa alternativas melhores? Uma oposição que se diferencie do bolsonarismo mais tacanho e divisionista, do espetáculo e da escatologia?

O Congresso vai ditar o rumo: se quem deseja entrar para a base do governo vencer, assim será. O que não podemos é manter essa situação limite, nos arriscando a novas reuniões vergonhosas, como a que ocorreu, e com uma maioria eventual ditando os rumos do partido, passando por cima da bancada.

O que vimos naquela reunião deveria servir a todos como um alerta de que a única saída que ainda pode manter a unidade partidária e as bandeiras que defendemos em pé é um Congresso Extraordinário. Essa conclamação é endereçada especialmente às nossas jovens lideranças.

Como sabemos, a Juventude 23 realiza em breve o seu primeiro congresso. Pois que sejam o espírito da renovação que tanto estamos buscando e se mobilizem também por um Congresso Extraordinário. E não se contentem em ser apenas a juventude de uma velha burocracia dividida, com alguns inclusive mirando um retorno ao passado.

Somos ou não um partido que defende reformas e privatizações? Somos ou não um partido que tem a democracia como valor universal? Somos ou não um partido com uma visão moderna da economia, antenada com o novo mundo do trabalho e de profunda preocupação social? Somos ou não um partido que vê a sustentabilidade como central para o desenvolvimento do país?

Tudo isso está sob questionamento no atual governo, seja com a tentativa de retroceder no marco do saneamento, de reestatizar a Eletrobras, de interferir na independência do Banco Central, na crença de que inflação não é problema sério, seja no apoio à ditadura ditas de esquerda, seja na proposta de explorar petróleo na Amazônia.

Vamos pura e simplesmente aderir? Ou vamos apoiar como já decidimos que faríamos, mas sem abrir mão dos nossos princípios programáticos, aprovando e aplaudindo o que interessa ao povo, e rejeitando o que estiver nas raizes do nosso atraso como uma das sociedades mais desiguais do mundo?

Que possamos superar esse momento trágico do partido respeitando os nossos 100 anos de história.

Roberto Freire