quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Vereadores aprovam pacotão de benefícios em dia do "Samba do Paulistano Doido" na Câmara Municipal

Tradicionalmente, o "Samba do Crioulo Doido" foi uma canção satírica composta em 1966 pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, sob pseudônimo do genial Stanislaw Ponte Preta, para ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas de enredo somente fatos históricos.

Acabou virando uma expressão popular para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo. Pois diga se não temos agora o nosso verdadeiro "Samba do Paulistano Doido"...

Como tem sido usual no parlamento brasileiro, de forma lá não muito ética e transparente (até porque isso mais confunde do que esclarece a população), assuntos alheios ao projeto pautado originalmente são embutidos meio que de "contrabando" num substitutivo de última hora e acabam alterando todo o conteúdo da matéria a ser votada. Reina a confusão e a desinformação.

A Câmara Municipal de São Paulo repetiu esse expediente pelo menos duas vezes nesta quarta-feira, 6 de novembro. Primeiro, para aprovar em 1º turno a concessão de áreas públicas à gestão privada, e logo em seguida para isentar as Escolas de Samba de todas as taxas e impostos municipais, principalmente ISS e IPTU (até mesmo dos débitos já existentes), e também cedendo o uso de áreas públicas, mesmo aquelas ocupadas irregularmente, para diversas agremiações por ao menos 40 anos.

Terminais de ônibus, baixos de viaduto e piscinões

Num projeto que tratava exclusivamente da cessão de área na avenida Nove de Julho à Associação dos Amigos do Museu Judaico no Estado de São Paulo, foram embutidas concessões de terminais de ônibus, de espaços localizados embaixo de pontes e viadutos e de piscinões de escoamento de água de chuva. Lembrando que são necessárias duas votações para a aprovação definitiva do projeto e na sequência seguirá para sanção ou veto do prefeito Bruno Covas (PSDB), que tem despachado os assuntos da Prefeitura mesmo internado no Hospital Sírio-Libanês.

Houve um acordo das bancadas para que, no substitutivo deste projeto a ser aprovado em 2ª votação, seja retificado também um projeto anterior, aprovado em 16 de outubro, que permitia a venda de terrenos municipais onde estão instalados equipamentos públicos como escolas e unidades de saúde. Esse foi mais um exemplo em que a maioria dos vereadores aprovou um projeto sem conhecer o seu inteiro conteúdo.

Num dia de trabalho intenso e muitos debates, em mais de 5 horas de sessões, foram aprovados 12 projetos no total, incluindo a autorização para que as Organizações Sociais ligadas à cultura, credenciadas junto ao governo do Estado, também possam ser habilitadas para gerir equipamentos municipais da área cultural.

Embalagens plásticas, frutas frescas e escolas de samba

Entre os projetos de vereadores aprovados em segunda e definitiva votação, destaca-se o do vereador Xexéu Tripoli (PV), talvez aquele de maior apelo midiático, que proíbe o fornecimento de embalagens de plástico por empresas e aplicativos de entrega de comida. Para virar lei, depende ainda da sanção e eventual regulamentação do Executivo.

Outro projeto aprovado em 2ª e definitiva votação é o da vereadora Soninha Francine (Cidadania), que garante a venda de frutas frescas nos parques públicos da cidade, como opção mais saudável aos alimentos industrializados, salgadinhos, frituras, fast-food e refrigerantes, que normalmente se encontram nesses locais.

O mais polêmico e surpreendente, porém, foi mesmo o projeto dos vereadores Milton Leite (DEM) e Celso Jatene (PL), apresentado originalmente sob pretexto de incentivar a prática de atividades físicas e esportivas na cidade, que isenta do ISS (Imposto Sobre Serviços) os prestadores de serviços de ginástica, dança, esportes, natação e artes marciais.

Porém, foi aprovada uma emenda (naquele mesmo esquema de "contrabando") que traz um pacotão de benefícios para as Escolas de Samba e as entidades organizadoras do Carnaval paulistano, como a isenção do ISS, do IPTU e de todas outras taxas municipais de suas sedes, quadras e barracões (incluindo até mesmo as dívidas já existentes).

Foram ainda beneficiadas com a cessão de áreas públicas, além de todas as escolas de samba dos dois principais grupos de desfiles carnavalescos nas chamadas "fábricas do samba" por pelo menos 40 anos, nominalmente as agremiações Império da Casa Verde, Acadêmicos do Tatuapé, Morro da Casa Verde, Tom Maior, Uirapuru da Mooca, Mocidade Alegre, Mocidade Unida da Mooca, Dragões da Real, Unidos de Santa Bárbara e Terceiro Milênio, esta última que tem o próprio vereador Milton Leite como patrono e presidente de honra, presenteada com uma área pública de 5 mil metros quadrados.

Reajuste dos funcionários da Câmara

Foi aprovado ainda o reajuste salarial de 3,98% aos funcionários da Câmara Municipal, retroativo a março deste ano. Como comparativo, o reajuste da maioria do funcionalismo público municipal (com exceção de categorias com acordos específicos, como os professores) foi de 0,01%.

Estranhamente, essas informações publicadas acima não costumam ser divulgadas pela grande imprensa e nem sequer chegam ao conhecimento da maioria da população. Coisas da política brasileira que são difíceis de explicar, né?