terça-feira, 5 de outubro de 2021

A cidade que funciona às margens da lei elege seus políticos e movimenta bilhões de reais


Até a fábula infantil ensina que a raposa não pode tomar conta do galinheiro. Na política, são os próprios políticos e beneficiários das leis que decidem as regras do jogo, ao bel prazer. E isso vai da legislação eleitoral, definida por deputados e senadores, à revisão enviesada do plano diretor da cidade, por vereadores cúmplices ou omissos.

Agora me diga como podemos aceitar que parlamentares financiados por empreendedores do mercado imobiliário e que atuam como verdadeiros lobistas e despachantes de luxo de setores empresariais vão ter alguma imparcialidade ou senso de justiça para legislar sobre temas tão sensíveis como moradia, sustentabilidade, planejamento urbano, finanças e a qualidade de vida dos cidadãos paulistanos.

A política caça-níqueis fica evidente nesta São Paulo praticamente clandestina em que vivemos. É absurda (e crescente) a quantidade de imóveis irregulares, ocupações ilegais, desrespeito às leis de uso e ocupação do solo, ausência dos licenciamentos obrigatórios e toda uma série de gambiarras jurídicas e legislativas que acontecem por ação ou omissão do poder público.

Sob vistas grossas e ouvidos moucos, há uma verdadeira indústria da ilegalidade que movimenta bilhões de reais. O que quase sempre aparece para a opinião pública na mídia é só a ponta do iceberg: pequenas máfias de fiscais, como no caso dos camelôs, ou crimes escandalosos, como grandes obras visivelmente irregulares.

Mas a normalidade é marginal, ou seja, a cidade já funciona às margens das leis e da ordem. Basta uma análise criteriosa das leis aprovadas na Câmara: das menores licenças às grandes anistias; das mais corriqueiras intervenções e operações urbanas a essa complexa revisão do plano diretor da cidade, desenhada para garantir benefícios e privilégios aos mesmos que já controlam a política e a economia paulistana.

Há poucos dias, cerca de 30 conselheiros da sociedade civil que participam do Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) entregaram ao prefeito Ricardo Nunes uma carta reclamando que “não estão sendo consultados” para definição da metodologia das atividades preliminares de revisão do plano diretor estratégico da capital. Ao mercado, tudo. À população, o desprezo.

Ao mesmo tempo, a grande imprensa revela que uma empresa de fachada, investigada na máfia das creches, repassou dinheiro ao prefeito de São Paulo, como já se suspeitava desde antes das eleições. Em sua defesa, Ricardo Nunes diz que as movimentações financeiras não são ilícitas e que jamais se envolveu em ato fraudulento.

A suspeição que paira sobre a política e os políticos colabora para a total descrença dos brasileiros nas suas instituições. Trazemos aqui com frequência episódios que fogem completamente do espírito republicano que se espera do poder público: a destruição de praças e parques para a exploração imobiliária, ou a proliferação de loteamentos clandestinos em áreas de proteção ambiental foram exemplos recentes de denúncias objetivas, com a descrição do fato e a sua localização (falta mais o que: trazer CPF, CNPJ e a confissão dos criminosos?).