domingo, 19 de julho de 2020

Não me xingue de comunista, por favor!

Ser de esquerda - ou pior, ser acusado de esquerdista - virou ofensa. Palavrão. Comunista, socialista, petista, mortadela, lulista, bolivariano, esquerdalha, petralha, esquerdopata. São inúmeros os adjetivos e xingamentos.

Em parte por preconceito ou ignorância daquilo que significou o comunismo até a sua falência histórica com a queda do Muro de Berlim, há 30 anos, mas em grande razão pelo enxovalhamento dos governos petistas nos escândalos de corrupção.

E vá tentar explicar que você pode ter uma visão de esquerda sem ser comunista, sem idolatrar Lula ou nem mesmo votar no PT. E inclusive repudiando as ditaduras e o totalitarismo esquerdista. Não interessa! Vai pra Cuba! Vai pra Venezuela! Nossa bandeira jamais será vermelha! Aceita que dói menos!

Como se alguém em sã consciência pudesse ter considerado os governos de Lula e Dilma algo próximos do comunismo ou substancialmente de esquerda. Chega a ser uma ofensa a velhos marxistas e até aos conservadores e à elite clássica de direita que apoiou e se esbaldou nas quatro eleições do PT.

Basta verificar os lucros recordes de bancos e multinacionais, a cumplicidade festiva do empresariado, dos operadores do mercado financeiro, das maiores potências da indústria, do comércio e dos serviços. E até considerar o perfil pendular do eleitorado, que flerta com os dois extremos, ora com o lulismo, ora com o bolsonarismo.

Ou vão esquecer que Bolsonaro também fazia parte da base de sustentação de Lula e Dilma no Congresso, endossando como ex-militar e coajduvante folcórico do Centrão (e ele quer mesmo que apaguemos isso da memória) até a indicação do comunista Aldo Rebelo para o Ministério da Defesa?

Mas certas verdades são inconvenientes. Mudam os tempos, muda a narrativa. Agora o pensamento binário refletido por essa polarização eleitoral burra e estreita faz parecer que tudo se resume a um confronto ideológico entre duas bolhas, à direita e à esquerda.

Como se fosse possível separar tudo em apenas duas caixinhas distintas de pensamentos, comportamentos e visões de mundo. Ou que não houvesse diferenças, divergências ou graduações entre as várias esquerdas e direitas existentes.

Veja que para um fanático bolsonarista, por exemplo, apenas ele e sua bolha são hoje os legítimos representantes da direita. O resto, principalmente quem fizer alguma crítica ou se declarar oposição, é logo tachado de esquerda. Até os liberais.

E aí entra todo mundo no mesmo balaio, equivocadamente: PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB, PV, Rede, Cidadania, PSDB... Numa geleia geral de desinformação política, ignorância histórica, mau-caratismo e sandice a ser compartilhada pelas milícias virtuais.

Quanto mais confusão, fake news e sensacionalismo, melhor. Criam-se inimigos reais e imaginários: a ameaça comunista, o Foro de São Paulo, a Folha de S. Paulo, a Globo lixo, a justiça, os artistas, os jornalistas, os ambientalistas, as ONGs, os cientistas, o vírus chinês...

E assim se condena indevidamente, por um bando de boçais lunáticos e ignorantes, todo um idealismo por justiça social, por igualdade, por fraternidade, por solidariedade, por liberdades e direitos individuais e coletivos; enfim, pela essência da democracia.

Quer saber? Viva a utopia de esquerda e dane-se a direita burra e seguidora bovina do toque do berrante governista, lambedora de botas e comedora de capim. Ninguém matará o sonho por um mundo melhor! Podem xingar. Foda-se quem não quiser entender.