domingo, 13 de setembro de 2020

Febre de Juventude: pandemia, fanatismo e rejeição à política

Parece nome de filme, mas não é. Ao contrário do título da versão brasileira da comédia “I Wanna Hold Your Hand”, dirigida por Robert Zemeckis e produzida por Steven Spielberg lá no final dos anos 70, que ao pé da letra seria “Eu quero segurar sua mão”, obra-prima dos Beatles, aqui nessa “Febre de Juventude” falamos sobre outro tipo de fanatismo.

Longe do carisma e da inocência da beatlemania, do romantismo ou da rebeldia juvenil, vivemos uma época de obscurantismo e fanatismo político - muito mais retrógrada que 1963, ano de lançamento da música-título do filme, ou mesmo que 1978, quando a película foi exibida nos cinemas.

Basta dar nomes aos bois. Em 1963, quando os ingleses John, Paul, George e Ringo estouraram para o mundo no programa de Ed Sullivan, na TV norte-americana, o presidente dos Estados Unidos era outro John, o Kennedy. O Brasil também era presidido por um João, o Goulart.

Jair e Donald famosos na época, só mesmo no futebol e nos desenhos animados. Tínhamos o ídolo Jair da Rosa Pinto encerrando a carreira, enquanto um promissor ponta-de-lança chamado Jairzinho estreava como profissional no Botafogo do Rio; e Donald era apenas o icônico Pato de Disney, ainda vivo.

Jair Bolsonaro, então uma criança de 8 anos, e Donald Trump, adolescente de 17, nem sonhavam em comandar seus países - nem Brasil e Estados Unidos imaginavam o pesadelo que enfrentariam na vida real, dali a pouco mais de meio século, com essas duas bestas eleitas.

Mas, feito todo esse arrazoado crítico de abertura, voltemos ao tema principal: A FEBRE DE JUVENTUDE. Qual é a razão desse título, afinal? Eu explico: quem não quiser votar neste ano basta alegar que teve febre no dia da votação. Simples assim.

Em tempos de pandemia do coronavírus, graças ao protocolo de segurança sanitária adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral, os cartórios eleitorais aceitarão como justificativa à ausência essa mera declaração posterior do estado febril.

Como as abstenções são crescentes nos últimos anos, podemos crer que o direito de alegar uma simples febre para quem acha a política um mal desnecessário e o fanatismo uma doença repugnante, pode ser uma saída facilitada para justificar a rejeição aos políticos e às eleições.

Se nem a obrigatoriedade do voto, a multa pela ausência (que é irrisória) e as campanhas pelo voto consciente foram capazes de levar mais gente às urnas ou de mobilizar principalmente os jovens, imagine nesta situação atípica de comparecimento desestimulado.

O risco de não votar, ou ainda de votar nulo, em branco ou em qualquer um, é que depois viveremos no mínimo quatro anos sob os efeitos colaterais do ato impensado. Está aí o bolsonavírus que não nos deixa mentir.

O nível de abstenção no 2º turno de 2018 foi de 21,3% do total de eleitores, o que significa que 31,3 milhões de brasileiros simplesmente não compareceram às urnas nas últimas eleições, para escolher entre Bolsonaro e Haddad.

No 1º turno a ausência já tinha sido elevada (20,3%). No 2º turno, somados os ausentes com votos brancos e nulos (mais 9,5% do total), foram 42 milhões de pessoas que optaram por não votar em ninguém - o maior índice desde a redemocratização do Brasil.

Em vez da febre que pode incentivar a ausência das urnas, eu ainda sonho como uma febre de juventude que promova a boa política, um surto de mudança consciente e responsável, o aprimoramento da democracia representativa e o banimento definitivo de corruptos, bandidos e usurpadores da confiança depositada no voto. Essa é a cura.