terça-feira, 22 de setembro de 2020

Siga o dinheiro: 1º passo de qualquer investigação

O bordão "Siga o dinheiro" ficou famoso no caso Watergate, dito por Deep Throat ("Garganta Profunda"), a fonte sigilosa dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein na série de reportagens publicadas no Washington Post, na década de 1970, e que levou à renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Mas é uma lição que cabe em qualquer escândalo político. Serve para tudo e para todos.

Avançando no tempo (ou retrocedendo, conforme o ponto de vista), o mesmo ensinamento poderia ser usado para esclarecer muitos outros mistérios: de quem mandou matar Marielle a quem mandou matar Bolsonaro? Ou quem financiou a eleição do presidente da República e de seus filhos? Todo o dinheiro usado na campanha foi declarado? E o Queiroz? E o Lula? "Siga o dinheiro".

O uso do Caixa 2, além da contribuição oficial de pessoas físicas diretamente para os candidatos ou indiretamente, por intermédio do fundo partidário e de contribuições repassadas pelas legendas, chegou a ser uma prática usual por muitos anos no Brasil. Estão aí as denúncias e algumas condenações envolvendo PT, PSOL, PSDB, MDB, DEM, PSD, PP, PSL... Ou seja, a ilegalidade não tem ideologia nem preferência partidária.

A campanha presidencial de Bolsonaro também não escapou das denúncias de irregularidades. Da compra ilegal do disparo em massa de mensagens contra adversários no Whatsapp à doação empresarial disfarçada, passando pelo uso de candidatos laranja que serviam apenas para repassar dinheiro a outras campanhas, ou ainda de recursos originados de funcionários fantasmas ou da famosa "rachadinha" dos gabinetes ligados a Bolsonaro, inclusive dos seus filhos, o que não falta são suspeitas e denúncias.

Pouca coisa avança, visto que os envolvidos se escondem atrás do foro privilegiado, brecam as investigações com chicanas jurídicas ou mesmo pelo controle abusivo exercido na PF e na PGR, ou ainda por manipulação política, como a compra do apoio do Centrão com o loteamento de verbas e cargos públicos - tudo aquilo que Bolsonaro prometia combater e, na prática, repete igual ou pior (Tem dúvida? Antes de me acusar de petralha, pergunte ao Sérgio Moro ou à Joice Hasselmann).

Mas, vamos lá! De onde veio o dinheiro para eleger Bolsonaro? De Luciano Hang, o "véio da Havan", que teria sido um dos patrocinadores das mensagens ilegais disparadas contra o PT, ao empresário paranaense Wilson Picler, do grupo Uninter, uma rede de ensino à distância, que já foi deputado pelo PDT e se tornou o maior doador individual do PSL na prestação de contas oficial da campanha, muita coisa é revelada no rastro deixado por esses apoiadores. 

Quem investe milhões do próprio bolso para eleger um político pensando apenas no "bem do país", sem desejar nada em troca? Desses mencionados, Hang e Picler, por que será que eles apoiam e financiam Bolsonaro e os filhos dele, além do partido em gestação dos bolsonaristas, o Aliança Pelo Brasil, e outros movimentos de direita, como a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), apelidada pelos opositores de "Internacional Fascista", e o Moviment, do presidiário Steve Bannon?

Quem mais vemos entre os doadores da família Bolsonaro? Além dos recursos repassados do PSL e do PRTB (partido do vice, general Hamilton Mourão) para pagar serviços de segurança, cessão de sala para comitê, domínio de site, passagens aéreas e hospedagens, o grosso das doações oficiais veio das vaquinhas eletrônicas na internet (nenhuma referência irônica ao gado bolsonarista nem aos robôs, que fique claro). 

Os sócios da rede Coco Bambu e o fundador da Tecnisa foram doadores. Gustavo Bebianno, apoiador de primeira hora e que morreu em março de 2020, após ter rompido com Bolsonaro, também. Teve delegado, promotor de justiça, funcionários públicos e até condenados na Justiça por corrupção, como foi o caso do cidadão Jonei Anderson Lunkes, cumprindo pena de 6 anos, 1 mês e 10 dias, em regime semiaberto, após uma operação que investigou esquema de contratos fraudulentos na Secretaria de Saúde de Natal (então, Roberto Jefferson, tire seu cavalinho da chuva que você não foi o primeiro corrupto condenado a apoiar Bolsonaro, hein?).

Além de Bebianno, outro ex-assessor que já morreu foi um dos maiores doadores das campanhas da família Bolsonaro. O capitão do Exército Jorge Francisco, que trabalhou quase duas décadas como assessor parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados e faleceu com 69 anos, em 2018, por conta de um infarto, repassou ao todo R$ 81 mil, em quatro eleições entre 2004 e 2016, para as campanhas de Jair e de seus filhos.

Em valores nominais, a maior doação de Jorge Francisco foi em agosto de 2012. Secretário parlamentar do então deputado Jair Bolsonaro, com remuneração mensal de R$ 6,7 mil na Câmara, ele fez uma transferência eletrônica de R$ 15 mil beneficiando o filho do chefe, Carlos, na campanha à reeleição de vereador. Ou seja, sua doação equivalia a mais de dois meses de salário. Grande benemérito.

Outro assessor-doador foi Telmo Broetto, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que trabalhou como secretário parlamentar de Jair Bolsonaro entre 2005 e 2018 e posteriormente passou a exercer o mesmo cargo no gabinete de Eduardo Bolsonaro, na Câmara dos Deputados.

Em 2006, Telmo doou à campanha de Flávio Bolsonaro, à Assembleia Legislativa do Rio, R$ 9 mil – o equivalente a mais de R$ 17 mil em valores atualizados. Em 2014, doou R$ 11 mil à campanha de Eduardo Bolsonaro. À época, recebia R$ 10 mil de salário na Câmara dos Deputados.

Na terceira posição entre os assessores que mais fizeram doações de campanha para a família Bolsonaro está Valdenice de Oliveira Meliga, irmã de dois milicianos presos em 2018, Alan e Alex Rodrigues Oliveira. De maio de 2018 até fevereiro de 2020, ela ocupava um cargo de confiança no gabinente da liderança do PSL na ALERJ, sob comando de Flávio Bolsonaro. 

Valdenice prestou serviços à candidatura do chefe ao Senado em 2018, numa doação de valor estimado em R$ 5 mil. Funcionária de confiança, ela também assinava cheques de campanha em nome do hoje senador, investigado no escândalo das rachadinhas e suspeito na relação com as milícias.

Para concluir a primeira lição do "siga o dinheiro", entre tantos caminhos e atalhos mal explicados, fica só uma pergunta ao presidente Bolsonaro (que, assim como no aliado Roberto Jefferson, parece lhe despertar os "instintos mais primitivos", a ponto de querer "encher de porrada" a boca dos jornalistas): Por que, afinal, o Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da Michelle?