quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Manual de sobrevivência na Câmara Municipal: entenda como funciona a “cota” de projetos por vereador

Recomendado para cidadãos conscientes, eleitores responsáveis e candidatos de primeira viagem. Para ler, entender, refletir, debater, curtir, compartilhar e votar melhor.

Nesta semana, com o início oficial da campanha eleitoral, já discutimos por aqui sobre a importância de escolher bem os nossos candidatos ou candidatas à Câmara Municipal.

Seja optando entre os vereadores experimentados que buscam a reeleição ou por candidatos que tentam chegar lá, para renovar e arejar o parlamento, encontramos nomes e perfis qualificados para realizar bons mandatos.

Porém, por mais idealistas e bem intencionados que sejam os eleitos, o choque de realidade no início de cada legislatura é brutal. Boas ideias e voluntarismo são insuficientes para mudar algumas práticas arraigadas no parlamento paulistano.

A Câmara é um mundo à parte, e não basta conhecer o regimento interno, a lei orgânica do município e acompanhar as sessões plenárias para decifrar o que acontece ali (às claras ou nos bastidores).

Os vereadores seguem algumas regras informais e acordos tácitos estabelecidos numa espécie de “manual de sobrevivência” que ninguém nunca viu, mas todos reconhecem na prática.

Tudo funciona na base dos acordos: da aprovação de projetos à eleição da Mesa Diretora, que reúne vereadores da situação e da oposição, passando pela composição das comissões internas, os temas definidos para CPIs etc.

O plenário, propriamente, com suas sessões ordinárias e extraordinárias, votações e discussões acompanhadas pela imprensa e pelo público, é apenas o desfecho de um grande teatro.

Enquanto isso, a maioria da população nem imagina como funciona a rotina dos vereadores ou quais os interesses em jogo - e critica a Câmara pelos mais diversos motivos, às vezes deixando passar o essencial.

A crítica mais comum talvez seja pela quantidade de projetos inexpressivos que são aprovados. Os tais nomes de ruas e homenagens pitorescas (por exemplo, já foi concedido - e depois cassado - título de cidadão paulistano ao médico estuprador Roger Abdelmassih).

É um fato: mais de 75% do que se aprovou na Câmara nos últimos quatro anos são as chamadas honrarias (título de cidadão, medalha Anchieta, diploma de gratidão e salva de prata), datas comemorativas e denominações de vias públicas e equipamentos municipais.

Uma regra abominável, corporativista, que se tornou um dos mandamentos não escritos da Casa há muitos anos e não faz nenhum sentido (a não ser para nivelar por baixo a qualidade do legislativo), é o estabelecimento de “cotas” de projetos a serem aprovados por vereador.

Você entendeu como isso funciona? Ficou decidido que cada vereador terá direito de aprovar um número limitado de projetos de lei por ano - em quantidade idêntica para os 55 parlamentares. Assim, os projetos são aprovados mediante acordo e não pelo mérito de cada um.

Qual a razão disso? Ciúme! Para que nenhum vereador se destaque ou seja apontado pela mídia como campeão de produtividade ou de boas ideias. Então todos vão ter aprovada a mesma quantidade de projetos (o que leva a situações inusitadas, como deixar bons projetos engavetados enquanto se apresentam outros esdrúxulos para cumprir tabela).

Isso porque, até o início dos anos 2000, a produtividade dos vereadores era medida muito em função do número de projetos aprovados e transformados em lei. Havia até ranking com a colocação de cada vereador. Surgiam os “queridinhos” da imprensa e o chamado voto de opinião era muito influenciado por essas informações.

Ao privilegiar a quantidade em detrimento da qualidade, tanto faz se um vereador apresenta mil projetos e outro dez - já que, por acordo, todos vão aprovar o mesmo número de projetos de lei (que seguem para sanção ou veto do Executivo) até o final da legislatura. Seja um bom projeto ou irrelevante.

A regra de ouro é mostrar que todos são iguais e ponto. Sobrevive apenas quem consegue se adequar ao sistema. É expressamente proibido algum vereador ou vereadora se destacar pela quantidade de boas ideias ou pelo número de projetos aprovados. Será jogado para escanteio.

Então, há cotas de projetos que serão aprovados em 1ª votação (geralmente de forma simbólica) e outros em 2ª e definitiva votação. Pouco ou nada se discute. A maioria nem se dá conta do que está votando. No máximo se registram alguns votos contrários no microfone para constar dos registros oficiais.

Geralmente os vereadores escolhem um único dia da semana para as sessões extraordinárias. Vem sendo a quarta-feira, quando se discutem e são votados os projetos de lei, tanto de iniciativa dos próprios vereadores quanto do Executivo. E os debates acalorados se concentram sobre as propostas mais polêmicas.

Na atual legislatura, a novidade implantada foi o “plenário virtual” para votar justamente esses projetos de honrarias e denominações, deixando, em tese, o plenário físico disponível para os projetos mais relevantes da cidade. Mas quais são eles, afinal? Bom, aí é assunto para outra postagem e outro capítulo do manual.