sábado, 3 de outubro de 2020

Quem é o pior traíra: Moro ou Bolsonaro?


“Queriam que eu indicasse o Sergio Moro para o Supremo?”, perguntou o presidente em live nas redes e também à claque bolsonarista nos jardins do Palácio da Alvorada. “Não!”, gritaram em coro. Alguns resumiram: “É um traíra!”.

Opa, calma lá! Por que Sergio Moro é considerado um traíra pela direita, afinal? Ah, porque ele pediu demissão do ministério e saiu acusando o Bolsonaro de ilegalidades. Ok, e por acaso ele mentiu? Desde quando alguém é intocável na política?

A pergunta que Bolsonaro tem feito (“Você quer que eu troque o Kassio pelo Sergio Moro?”), para rebater a forte rejeição de seus apoiadores ao nome indicado ao STF, não deveria ser mera retórica.

Uai, seria o mínimo que se espera de um presidente que se comprometeu com a Lava Jato, com a prisão em segunda instância, com o combate à corrupção e o fim do foro privilegiado. Mais que isso, que usou e abusou da imagem de Moro e chegou a lhe prometer a indicação ao Supremo.

A ala mais lunática da bolha ideológica bolsonarista está chiando, decepcionada, indignada. Afinal, Bolsonaro descumpriu a palavra. Não indicou nem alguém “terrivelmente evangélico”, ou um conservador radical, nem o sujeito que toma tubaína com ele ou divide um pão com leite condensado.

Ao contrário, o futuro integrante do STF é um boa praça, amigo do Centrão - aquele grupo de políticos valorosos que vende (caro) o apoio ao presidente da ocasião - e foi elogiado até pelo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, notório petista e opositor de Bolsonaro.

Mas vamos entender melhor toda essa polêmica que se deu com a indicação, pelo presidente Jair Bolsonaro, do juiz Kassio Nunes Marques para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal. Alguns bolsonaristas estão p... da vida!

Ficaram contra a indicação, por exemplo, o guru Olavo de Carvalho, o pastor Silas Malafaia, o articulista Rodrigo Constantino, o blogueiro Allan dos Santos, o comentarista Leandro Ruschel - todos integrantes da tropa de choque da milícia bolsonarista raiz.

Do lado de favoráveis à indicação, caciques do MDB, como o ex-presidente José Sarney, o senador Renan Calheiros e o ex-senador Romero Jucá; e até o advogado Kakay, Antonio Carlos de Almeida Castro, um dos mais notórios defensores de condenados da Lava Jato.

Aliás, o juiz piauiense de 48 anos, católico e considerado por quem o conhece “levemente conservador”, foi nomeado pela então presidente Dilma Rousseff para o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Fazia campanha para chegar ao STJ, mas caiu nas graças de Bolsonaro e da familícia.

Pesou para o STF sua visão crítica à Lava Jato e à prisão em segunda instância, além de já ter proferido algumas decisões favoráveis a políticos enlameados (como a aprovação das contas irregulares de um de seus padrinhos e conterrâneo, o Senador Ciro Nogueira, do PP).

No Supremo, ao substituir o decano Celso de Mello, vai integrar o grupo “garantista do direito”, que em tese privilegia a presunção de inocência dos investigados e se opõe ao grupo “punitivista”. Traduzindo: tem uma ala que prende e outra que solta os condenados da Lava Jato. Ele vai ser daquela que solta.

Parte das críticas ao nome de Kassio Marques se concentra em duas decisões do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Uma delas foi o voto contrário à deportação do terrorista Cesare Battisti (amigo dos petistas) e a outra foi a suspensão de liminar que proibia o STF de comprar lagosta e vinho importado.

Uma das coisas mais ridículas já vistas nas lives de Bolsonaro, mesmo para o baixo nível que é peculiar ao presidente, foi vê-lo defender o cardápio nababesco dos ministros do STF.

“Quem pode comer lagosta, come”, sentenciou Bolsonaro. Já temos a nossa Maria Antonieta: “Se não tem pão, que comam brioches”.

Mas bolsonaristas vão passar a defender o STF? Aonde estão aqueles fanáticos que postam #STFVergonhaNacional se o próprio presidente demente defende agora os abusos e privilégios do Supremo?

Chega a ser divertido - se não fosse trágico para o país - Bolsonaro fazer a defesa da lagosta no cardápio do STF e fazer coro à indicação do Centrão, sob aplauso de petistas e denunciados. Enquanto isso, “traíra” é quem defende a Lava Jato e a prisão dos corruptos.

“Ou vocês confiam em mim ou não confiam, está certo? Eu não tenho cabeça dura, não. Eu volto atrás em decisões minhas, mas essa decisão é crucial pra mim”, afirmou Bolsonaro, num sincericídio digno de registro. Ou de pena.

Afinal, se não tiver guarida do Centrão no Congresso e de aliados no Supremo, ou se não puder se esconder sob o foro privilegiado, interferir na PF e na PGR, censurar a imprensa etc., Bolsonaro corre sério risco de ir parar atrás das grades. Em país sério é assim.

Mas bolsonaristas, ao contrário dos petistas que idolatram Lula e o consideram inocente, dizem não ter bandido de estimação, não é mesmo? Por mim, se forem corruptos, Lula e Bolsonaro podem dividir a mesma cela. E você, o que acha?